quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Socialismo é coisa de pobre


Sim, fiquei escandalizada ao saber de uma declaração, em tom pejorativo: “Socialismo é coisa de pobre.” O que mais me escandalizou é que a quem fez a fala é profissional da educação, e trabalha numa das instituições de ensino mais conceituadas da cidade. Será que ela não estudou sobre socialismo e educação libertária na faculdade? Não. Não deve nem ter ouvido falar. Cada vez que parava pra pensar ficava mais pasma. Com alguém, que trabalha com educação, e sabe a realidade que vivemos nesse país, tem um pensamento discriminatório desse? Para mim, ser progressista e socialista é pré-requisito para ser professor. Salvo quem tenha se formado antes da década de 60. Esses pensamentos e questões me trouxeram um turbilhão de lembranças, desde a época da graduação em História, na UNIVALI, das aulas com tantos bons mestres e da convivência com especiais colegas. Lembrei dos textos da Marilena Chauí, das páginas de O Capital, da Revolução Permanente de Trótsky e da Pedagogia da Libertação de Paulo Freire. Lembrei, pensei, pensei mais e cheguei à conclusão que a colocação dela está correta. Socialismo é coisa de gente pobre sim. Não fosse o tom pejorativo e discriminatório usado, a afirmação daria um excelente debate. Porque pobre não é pobre por livre e espontânea vontade. E porque pobre deseja e luta por melhores condições de vida e oportunidade.
O socialismo surgiu como uma alternativa, como uma luz no fim do túnel para trabalhadores que tinham jornadas muito extensas e péssimas condições de vida e trabalho. Eles eram pobres. Mas não eram pobres porque trabalhavam pouco. Eram pobres porque o muito que trabalhavam valia pouco. E o dinheiro caía nas mãos dos patrões. O valor que era tirado do trabalho dos operários era acrescido no produto. Ou seja, o que valia mais era o produto, e o que valia menos era a força produtiva do trabalhador.  E nessa lógica o dinheiro foi se concentrando nas mãos de poucos. Esses poucos até hoje têm o dinheiro que compra o tempo, o lazer, o sono, o saber.
Por isso socialismo é coisa de pobre. Do pobre que quer ter direito ao tempo, ao lazer, ao sono, ao saber.
Pode ser utópico, sonho, pode ter sido mal aplicado, não ter dado certo na Rússia. Mas é a alternativa de oportunidades iguais para todas as pessoas. E um dia, um grande professor da faculdade e da vida, num dia que eu estava desanimada e depressiva, me disse: “Eve, a gente tem que fazer a revolução no nosso dia a dia, com as possibilidades que a gente tem. É na nossa conduta, nas nossas pequenas ações que a gente faz o nosso socialismo”.
É isso.

Abraços fraternos, revolucionários, vermelhos e comunistas!


"A ditadura do proletariado, que sobe ao poder como força dirigente da revolução democrática, será colocada, inevitável e muito rapidamente, diante de tarefas que a levarão a fazer incursões profundas no direito burguês da propriedade. No curso do seu desenvolvimento, a revolução democrática se transforma diretamente em revolução socialista, tornando-se, pois, uma revolução permanente. Em lugar de pôr termo à revolução, a conquista do poder pelo proletariado apenas a inaugura. A construção socialista só é concebível quando baseada na luta de classes nacional e internacional. Dada a dominação decisiva das relações capitalistas na arena mundial, essa luta não pode deixar de acarretar erupções violentas: no interior sob forma de guerra civil, no exterior sob forma de guerra revolucionária. É nisso que consiste o caráter permanente da própria revolução socialista
["A Revolução Permanente" - Leon Trotsky. Ed. Expressão Popular]
Alguns acontecimentos me têm despertado as mais profundas reflexões sobre socialismo e marxismo desde a graduação em História. Mas depois conto os detalhes desses acontecimentos.
A seguir segue um belíssimo texto sobre a musa dos comunistas, escrito brilhantemente por Fabrício Carpinejar.
Como mulher, comunista e amante da arte, não poderia deixar de compartilhar com vocês.

Abraços vermelhos :)
Evelise

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 Frida e Fritz

A Frida Kahlo tornou-se um símbolo sexual estranho. Muito estranho. A Madonna do PSTU. A Shakira da CUT.

Toda mulher que é mulher gosta de Frida. Ela não tem admiradoras, mas groupies.

A adoração ultrapassa as referências artísticas, extrapola a genialidade de sua pintura: as cores vibrantes e os quadros enigmáticos com corças feridas e armações de dor e fúria.

Deduzo que o grande número de autorretratos acentuou a fama do rosto, mas ela foi além das galerias e fotocopiadoras: é um ícone pop. Blusa de Frida, chaveiro de Frida, saia de Frida, caneta de Frida, cadeira de Frida.

Ao desenhar um bigode numa folha, somente o bigode, hoje já ficaremos em dúvida se a intenção é caracterizar Chaplin ou Dalí ou Frida Kahlo.

Mas o que ela tem para ser tão desejada?

A liberação anárquica da beleza. É a mais autêntica hippie da arte no corpo. É a força das flores, mais os inços, mais as raízes, mais os arbustos, mais as gramíneas, mais as ervas, mais os troncos. É uma coalizão dos partidos verdes do mundo. Levou a preguiça às últimas consequências. Acima da Yoko Ono e sua feiura de Gremlin. Superior a Janis Joplin e sua juba mística.

Frida é amada porque teve a coragem de não fazer as sobrancelhas, muito menos o buço. Desdenhou da obrigação cosmética e dos condicionamentos estéticos.

Com seu rosto de monumento asteca, ousou gritar para sua mãe: — Hoje não!

Realizou o sonho da mulher barbuda, abriu a frente da bissexualidade, reuniu os complexos de Electra e de Édipo numa única rima labial.

Frida não precisou enfrentar o martírio de desbastar, a cada quinze dias, com cera quente ou satinelle, a floresta amazônica das axilas. Não gastou um centavo nos salões. Não se preocupava em tirar a sobrancelha, errar a medida para depois se arrepender e substituir o traçado natural com tatuagem definitiva. Não recusou encontros com amantes — Trotsky foi um deles — por vergonha de suas pernas cabeludas. Não pediu desculpa por arranhar o rosto de seu marido Diego Rivera.

É absolutamente broxante para os homens, e encantadora para as meninas.

Quando o marido fala que alguém está parecida com a mexicana é deboche. Quando a esposa comenta o mesmo é elogio.

Para a ala masculina, é como filme da Alemanha Oriental. Eu não queria ser comunista desde cedo, assim que descobri que as principais atrizes das produções soviéticas ostentavam sovaco cabeludo. Os capitalistas erraram a propaganda: para que mentir que comunista comia criança? Era só contar a verdade: no regime, as mulheres não se depilavam. O muro de Berlim teria caído antes.

Fabrício Carpinejar em http://carpinejar.blogspot.com/